RESERVA DE VAGAS E RECONHECIMENTO RACIAL NO SERVIÇO PÚBLICO FORAM TEMA DO SINJUS ANTIRRACISTA
terça-feira, 22/08/23 17:58Na última sexta-feira, 18 de agosto, o SINJUS Antirracista promoveu um debate sobre a importância das Cotas Raciais e do Processo de Heteroidentificação, ações afirmativas essenciais para um Brasil mais justo. O encontro, que contou com a presença de lideranças do movimento negro, servidores de Judiciário e estudantes, teve a participação de Cleonice Amorim de Paula, que é servidora aposentada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e ex-dirigente do SINJUS, como facilitadora.
A palestra abordou como aspectos históricos relacionados à população negra na sociedade brasileira nos trouxeram ao atual cenário social e econômico do Brasil. Além disso, foi debatido como a luta do movimento negro iniciou um longo processo de reparação a partir da Lei de Cotas. O objetivo principal foi trazer elementos aos participantes para que eles possam discutir e defender essas políticas afirmativas de forma mais embasada.
Inicialmente, Cleonice de Paula fez uma rápida contextualização histórica, destacando que a Justiça nunca esteve ao lado dos afro-brasileiros. Assim como aprendemos nas aulas de História, a Lei do Ventre Livre, a Lei dos Sexagenários e a posterior Lei Áurea não delinearam iniciativas de inserção dos negros na sociedade, mas se configuraram como ferramentas para conter possíveis revoltas sociais.
“Em uma realidade onde a expectativa de vida era, em média, 35 anos, do que adiantaria conseguir a liberdade somente aos 60?”, aponta a servidora.
Segundo Cleonice, uma visão dominante do colonizador europeu foi projetada no imaginário do país, levando a crer que os escravizados eram omissos quanto às condições em que viviam. No entanto, essa situação não condiz com a realidade, uma vez que movimentos sociais e revoltas que impactaram a sociedade, em diversas épocas, foram protagonizados pela população negra como forma de resistência à opressão. Esse grupo também resistiu, encontrando maneiras de conservar aspectos culturais e religiosos.
Com esse contexto, a palestrante introduziu a necessidade da reserva de vagas para pretos e pardos no Brasil como forma de reparação pelos séculos em que seus antepassados foram cerceados do acesso igualitário à educação e às oportunidades de emprego.
“Infelizmente, mesmo com o avanço trazido pela norma, o processo de heteroidentificação se fez necessário, tendo em vista a burla percebida nos primeiros concursos com reserva de vagas”, destaca Cleonice.
Legislação atual
A Lei n. 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, é uma legislação brasileira que visa promover a inclusão de pessoas de grupos historicamente sub-representados nas instituições de ensino superior do país. Essa lei estabelece a reserva de 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, além de citar critérios específicos de destinação de vagas conforme a sua autodeclaração racial.
No mercado de trabalho, não existe legislação específica que estabeleça cotas obrigatórias para a inclusão desses grupos sociais, contudo, muitas empresas implementam políticas internas para promover a diversidade e inclusão. Para o serviço público, a Lei n. 12.990/2014 garante que 20% das vagas de concursos públicos federais sejam destinadas a candidatos negros e negras. Nos âmbitos estadual e municipal, a formalização da reserva de vaga depende de regulamentação em cada ente federativo, e muitos deles já iniciaram o debate e a implementação da ação afirmativa.
Em Minas Gerais, o Projeto de Lei n. 438/2019, que tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), dispõe sobre a reserva de vagas para afro-brasileiros nos concursos públicos no domínio da administração estadual, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas, das sociedades de economia mista e nos Poderes Legislativo e Judiciário do Estado. Atualmente, o PL aguarda apreciação do parecer pela Comissão de Constituição e Justiça.
De acordo com Cleonice, a Lei de Cotas já foi objeto de debates intensos, com argumentos tanto a favor quanto contrários. Defensores da lei enfatizam sua importância na promoção da equidade e como reparação histórica, permitindo que o grupo anteriormente excluído e subalternizado tenha acesso a bens e direitos que lhes eram vetados. Por outro lado, os críticos apontam desafios relacionados à eficácia das cotas, como possíveis impactos na qualidade do ensino e acirramento do preconceito. Ainda, segundo a servidora, esse último grupo tem diminuído já que muitos intelectuais têm se filiado à luta, aumentando o reconhecimento acerca do êxito da política pública.
Heteroidentificação
A política de cotas tem como alvo um grupo particular: a população preta e parda brasileira. Ao notar que indivíduos não pertencentes a essas categorias estavam acessando e desfrutando dos benefícios sociais designados ao grupo, percebeu-se que o propósito das cotas estava sendo desvirtuado. Como resposta a isso, um movimento originado por estudantes de universidades federais surgiu para expor essa distorção.
Por isso, a avaliação em heteroidentificação tornou-se procedimento necessário e formalizou a criação de bancas e comissões de análise de autodeclaração racial.
“Ao avaliar a declaração racial, é fundamental compreender como o indivíduo é reconhecido pela sociedade. A heteroidentificação vai além de uma simples autopercepção, envolvendo a incorporação real da vivência negra no dia a dia”, explicou Cleonice que também integra uma das Comissões de Avaliação de Autodeclaração de ser Preto ou Pardo no TJMG.
A palestra ainda ressaltou que as bancas e comissões de avaliação devem ser compostas por membros devidamente capacitados, aptos a compreender um conjunto de traços fenotípicos do candidato.
Logo após a exposição de Cleonice, foi aberto o momento para perguntas e comentários, contribuindo para a compreensão das lutas históricas e suas implicações contemporâneas, reforçando a urgência de ações concretas para combater o racismo e promover a igualdade.
A luta continua
As cotas e o reconhecimento racial são apenas uma parte da longa jornada pela construção de uma sociedade antirracista e justa com seu próprio povo. Para além dessa discussão, outros temas também devem ser trabalhados com urgência.
No próximo encontro do SINJUS Antirracista, a jornalista e ativista social Diva Moreira vai conduzir o debate sobre quais as prioridades da luta. Em breve, o Sindicato vai divulgar mais informações e abrir as inscrições para o evento. Não fique de fora!
“Reparações já! Que ações antirracistas não podem mais aguardar?”
- Dia: 22 de setembro
- Local: Espaço Lea Leda (Av. João Pinheiro, 39, 10º andar — Sede do Sindicato)
- Horário: das 15h às 17h30.