Nota do Sindjud-PE

É preciso falar de racismo na sociedade e no Judiciário

terça-feira, 24/11/20 12:05

“Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” (Angela Davis)

Dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, que tem por objetivo trazer a reflexão sobre a inserção do povo negro na sociedade brasileira. A escolha da data é por causa do dia da morte de Zumbi dos Palmares, um dos líderes contra o escravismo no Brasil.

É importante frisar que o Brasil guarda até hoje traços de sua herança colonial-escravista. Um dos últimos países a abolir oficialmente a escravidão, e que nunca fez de significativo para reparação histórica dos povos que foram brutalmente retirados de seu território para ser força de trabalho escravizada. O movimento negro tem lutado para a existência de políticas afirmativas, de reparação histórica e de promoção de visibilidade e igualdade racial.

A desigualdade social tem cor e tem sexo, se expressa especialmente desfavorável para mulheres e negros/as. Basta verificar qualquer estatística de caráter social, em geral, para perceber que a população negra sempre aparece em posições desfavoráveis.

Na Síntese dos Indicadores Sociais de 2019, do IBGE, aponta que entre as pessoas em condições de pobreza 38% são mulher preta ou parda, 35% homem preto ou pardo, 13% mulher branca, 12% homem branco, e 2% outros. Na situação de extrema pobreza os números são ainda mais expressivos: 40% mulher preta ou parda, 37% homem preto ou pardo, 12% mulher branca e 10% homem branco, 1% outros. Ou seja, a maioria da população em situação de pobreza é de negros e negras, mais de 70%.

Essa mesma pesquisa do IBGE revela que na proporção de pessoas que residem em domicílios com alguma inadequação nas condições de moradia (1), a maior parte é da população negra. Vejamos: 26,6% homens pretos ou pardos e 26,4% de mulheres pretas ou pardas, enquanto os homens brancos em 15,1% e as mulheres brancas em 15%.

O racismo no Brasil atinge as faces mais cruéis com o extermínio de jovens negros, além de serem a maior parte da população carcerária do país, bem como de adolescentes em conflito com a lei, em cumprimento de medida socioeducativa. A justiça que se pretende cega é mais dura e “esquecida” com afrodescendentes, com morosidade nos casos de negros e negras. E o que o judiciário tem feito a respeito? E o que as entidades representativas de quem compõe o judiciário tem feito?

Não podemos negar a existência do racismo, os dados falam por si só. E essa expressão da questão social é demanda do judiciário brasileiro. Além de que esse racismo estrutural perpassa pelas instituições, e o judiciário é ainda mais excludente a população negra. Portanto, impossível de dissociar das questões de reflexão e intervenção política das entidades representativas (sindicatos e associações de magistrados e servidores).

Por isso mesmo que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem adotado algumas medidas, ainda tímidas, para reduzir a desigualdade racial no judiciário brasileiro (2).

A promoção de atividades desenvolvidas pela Associação de Magistrados do Estado de Pernambuco (AMEPE) para debater o racismo são dignas de louvor, e não de repulsa, como alguns magistrados descontentes tiveram a coragem de se expressar sob “Manifesto pela Magistratura de Pernambuco”.

O referido documento evidencia o seu caráter elitista: “A realidade é que temos uma missão diferenciada, que é julgar, somos o topo da carreira pública e membros de poder“, despolitizado: “infiltração ideológica das “causas sociais” nas pautas levantadas pela AMEPE vem causando indignação e desconforto em um número expressivo de associados, tendo em vista o distanciamento dos objetivos traçados no estatuto, e da própria essência isenta que deve pautar a Magistratura“, e desconectado da realidade concreta em suas múltiplas dimensões: “A ideia é de Magistrados, sem seleção fenotípica, religiosa ou sexual“.

Nada mais desagregador que não evidenciar as diferenças. Essa falsa homogeneização, em uma característica única pelo tipo da carreira pública (magistratura), favorece o privilégio dos mesmos poucos de sempre: a população branca.

É por isso que repudiamos o caráter elitista e racista do referido Manifesto, assinado por 34 magistrados e magistradas do TJPE. Se esses mesmos defendem a abstenção de “fomentar qualquer ideia que provoque divisões internas e consequente enfraquecimento” deveriam pensar nos colegas negros e negras, que tiveram que passar por muito mais sacrifícios para chegar a magistratura. Se o mister da magistratura é fazer justiça, precisamos começar a falar sobre racismo e combater o racismo.

O SINDJUD-PE se posiciona de forma solidária a atual diretoria da AMEPE nessa situação, e nos colocamos à disposição, inclusive, para promoção de atividades em conjunto sobre o tema. Por outro lado, repudiamos o conteúdo lamentável e reacionário do Manifesto em questão.

Contra o racismo estrutural!
Por um Judiciário democrático, inclusivo e acessível!
Por um Judiciário com igualdade racial e de gênero!

“Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” (Desmond Tutu)

SINDJUD-PE
Gestão Fortalecer e Avançar!

___________

1. Para o estudo são consideradas inadequações de condições de moradia: ausência de documento que comprove a propriedade; adensamento excessivo, ônus excessivo com aluguel, ausência de banheiro de uso exclusivo de domicílio; paredes externas construídas predominantemente com materiais não duráveis.

2. Conferir o Relatório de Atividade Igualdade Racial no Judiciário: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/10/Relatorio_Igualdade-Racial_2020-10-02_v3-2.pdf

Fonte: Fenajud

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