O SERVIDOR PÚBLICO E O DIREITO AO REGIME JURÍDICO
segunda-feira, 19/06/23 17:57O Supremo Tribunal Federal tem consolidado o entendimento de que o servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico (RE 563.708, rel. min. Cármen Lúcia, P, j. 6-2-2013, DJE 81 de 2-5-2013, Tema 24). Isso significa que direitos inerentes a um cargo público podem ser retirados daqueles que já o ocupam, bastando, para isso, alterar o ato normativo instituidor.
Na prática, esse entendimento abre possibilidade para grandes injustiças contra o servidor público do Brasil. Imagine: um trabalhador passa anos estudando, investindo tempo, esforço e dinheiro para se preparar para um concurso público. Ele faz esse enorme sacrifício em razão não apenas do salário inicial previsto para o cargo, mas também atraído por todos os benefícios a ele inerentes, pelo plano de carreiras, pela jornada de trabalho, enfim, todo o arcabouço de vantagens envolvidas. Depois de muito estudo, muitas privações e muita dedicação, ele finalmente é aprovado, nomeado e toma posse, confiando que terá tudo que o estatuto do cargo prevê ao longo dos anos que terá adiante em sua carreira. No entanto, em uma brusca alteração legislativa, a expectativa de todos os benefícios que esse servidor alcançaria em sua trajetória funcional pode ser frustrada.
A situação hipotética narrada encontra várias correspondências com a realidade. Exemplo: na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, está uma Proposta de Emenda à Constituição do Estado, de autoria do Governador Romeu Zema (Novo), que extingue o direito à percepção de novos quinquênios e adicionais de desempenho. Trata-se da PEC 57, que, caso seja promulgada, acarretaria o “congelamento” de todos os servidores estaduais com os adicionais que já incorporaram à remuneração, não podendo mais perceber os futuros adicionais aos quais fariam jus com o decorrer do tempo de serviço. Felizmente, a proposição está paralisada no parlamento.
No entanto, voltando ao tema central deste artigo – o direito adquirido a regime jurídico – a posição da Suprema Corte brasileira revela-se, além de profundamente injusta, também incoerente.
Em outros julgados de matérias distintas, mas cujo cerne da discussão também era a segurança jurídica e a proteção às legítimas expectativas, o mesmo STF editou a súmula nº 544, que assevera: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.”. Em outras palavras, quando o Estado concede benefícios tributários a empresários, sob condição que o obriga a investir algum recurso, tais benefícios não podem ser revogados.
Nesta República, que tem por fundamento constitucional os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, infeliz é a postura do guardião da Constituição quando protege o investimento feito por aquele que exerce a atividade econômica, mas não protege o investido pelo trabalhador.