O LONGO CAMINHO DAS MULHERES NO SERVIÇO PÚBLICO
terça-feira, 11/07/23 14:52Clara Marinho* para a Folha de São Paulo
Mulheres em posição de liderança no serviço público são como flores no deserto. Apesar de serem maioria na sociedade brasileira e na burocracia, ainda são poucas aquelas à frente dos principais processos decisórios do país. Quando são mães de crianças pequenas, a presença em espaços de poder é ainda mais improvável.
No governo federal, por exemplo, “a chance de homens com filhos menores de idade exercerem cargos de média e alta gestão é de 3,2 vezes maior do que entre mulheres, nas mesmas condições”. O dado estatístico, produzido no âmbito recém-lançado Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, nos desafia a pensar como será possível acolher mais mulheres e mães no centro do poder.
O primeiro aspecto a se considerar é como as mulheres entram no serviço público. As áreas de políticas públicas em que elas são maioria são aquelas associadas ao cuidado. De outro lado, isso significa sub-representação nas áreas consideradas mais “duras”, prestigiadas e bem remuneradas — como aquelas associadas ao ciclo de arrecadação e gasto, auditoria e controle, infraestrutura e segurança. A esse tipo de condicionamento social para que as mulheres desenvolvam sua carreira sob o signo do suporte a terceiros, afastando-se das demais áreas, a literatura especializada dá o nome de “segregação horizontal”.
O segundo aspecto a se considerar é como as mulheres entram na alta gestão. De modo geral, o recrutamento e a seleção para cargos diretivos no setor público se dão por indicações. Nesses espaços, as mulheres já ficaram para trás e, especialmente as mães, já escolheram sacrificar a carreira em favor da maternidade. Aos mecanismos que impedem a ascensão de mulheres a cargos de comando, a literatura dá o nome de “segregação vertical”.
A mudança desse estado de coisas passa, primeiro, pelo seu reconhecimento como um problema público passível de ser solucionado. A ausência de mulheres na cúpula do poder e dentre elas, as mães, é considerado um problema menor de representatividade e eficiência da burocracia. Aliás, pistas sobre as resistências ao assunto podem ser extraídas das anistias periódicas que os partidos políticos concedem a si por não atenderem as cotas reservadas para mulheres nas eleições.
Ainda assim, considerando o acolhimento paulatino da pauta de diversidade e inclusão na administração pública, é possível rascunhar um pequeno cardápio de soluções sobre o assunto.
Sobre a segregação horizontal, é preciso que a administração pública encoraje as mulheres a prestarem concurso público para as áreas “duras”. Tal encorajamento passa pela afirmação das burocracias como espaços acolhedores, livres de assédio e de estereótipos incapacitantes sobre as mulheres, capazes de reconhecer suas contribuições e de informá-las que maternidade e carreira são escolhas compatíveis entre si.
Sobre a segregação vertical, cabe ponderar por uma política consistente de formação de lideranças, independentemente da posição hierárquica. Ora, considerando que são poucas hoje a subir, não se pode esperar que estejam lá para que desenvolvam suas capacidades de inovar, gerir pessoas, dar e receber feedbacks, atuar em conflitos, construir redes de relacionamento profissionais, entre outros talentos.
Aqui, importa que as mulheres sejam apresentadas a outras consideradas bem-sucedidas, reforçando a mensagem de que é possível que elas ascendam no serviço público. A mentoria, aliás, é um recurso ainda pouco utilizado na burocracia como forma de aconselhamento para o desenvolvimento profissional de alto nível.
Também é importante considerar a profissionalização do recrutamento e da seleção para cargos diretivos no setor público, que possam valorizar a titulação, a experiência e as habilidades comportamentais e interpessoais das mulheres. Os processos seletivos para cargos comissionados no país ainda são rarefeitos, favorecendo desproporcionalmente as redes profissionais informais masculinas no acesso aos cargos mais prestigiados.
Enfim, as possibilidades de acolher as mulheres e mães na burocracia em condições de equidade são muitas. E as soluções serão tão melhores quanto mais formos capazes de acolher as mulheres em toda sua diversidade para pensar o serviço público.
*Analista de Planejamento e Orçamento do governo federal, doutoranda em Administração Pública e Governo pela FGV, conselheira da República.org