O feminino nas mulheres de Machado de Assis

quinta-feira, 28/09/17 11:23

Por Arthur Lobato

Seria Machado de Assis nosso Flaubert e suas personagens femininas uma versão tupiniquin de Madame Bovary?  Teria sido o autor brasileiro influenciado pelo francês?

Esta questão surgiu em mim na roda de leitura do NAP/Sinjus quando foram lidos e debatidos os livros de Machado de Assis:Memorial de Aires, Esaú e Jacó, e Memórias Póstumas, o que me levou a reler também Quincas Borba (escrever um artigo sobre o humanismo, a crítica ao positivismo e ao vencedor as batatas) e Dom Casmurro, com a enigmática  Capitu.

Madame Bovary, o livro mais famoso do escritor francês Gustave Flaubert, foi inspirado em uma historia real envolvendo adultério e suicídio. Publicado em 1857, a obra acarretou-lhe um processo por “ofensa à moral pública e religiosa”. Outro livro famoso, O vermelho e negro, de Stendhal, que trata de uma historia de amor ciúmes e morte, também foi inspirado em um fato real.

Machado, mulato brasileiro, um  maiores autores literários de nossa terra, segundo renomados críticos nacionais e mundiais, viveu em uma sociedade aristocrática, conservadora e religiosa. Foi chamado de o “bruxo” pois nas entrelinha de seu texto apresenta uma crítica mordaz aos costumes, à sociedade e à política do fim do império e início da república brasileira. Ele tudo percebeu e criou no subtexto suas bruxarias, revelando o que era o Brasil e os brasileiros do Rio de Janeiro, capital imperial e republicana antes de Brasília.

Que Machado leu Dostoiewisk é certo pois em contos do autor russo vemos a marca de Machado e do russo: a interferência do autor no texto, se comunicando com o leitor, interferindo na historia, enfim uma nova a linguagem surge nos folhetins que viraram depois livros.

É a novela de época, publicada em jornais em capítulos, e Machado, aparentemente  tão feliz e sossegado em seu casamento deixa transparecer na escrita o desejo e talvez  a pulsão/desejo que lhe causam as mulheres, mas sufocado pela vida monogâmica do casal Assis.

Assim me parece que este desejo se manifesta de forma inconsciente no texto, onde ele autor e as vezes personagem  percebe no feminino representado por diversas mulheres nestes livros citados, e, nos atos e pensamentos destas mulheres ele mostra a hipocrisia e a falsidade do casamento burguês no fim do século XIX e início do século XX. A maioria de seus personagens femininos representam as formas das mulheres burlarem a sociedade e o santa instituição do casamento. Afinal a mulher sempre representou no romantismo, o amor, a emoção, o coração e o homem o trabalho, a razão, o cérebro. Mas Freud nesta mesma época  afirmou que com a descoberta do inconsciente “o ego não é mais senhor em sua casa”, sendo a razão a morada do ego. Freud, rebatendo o cartesianismo do penso, logo existo, da superioridade da razão humana sobre as emoções e do positivismo que diz que todo fenômeno deve passar pelos sentidos e analisados via razão, ou seja, o homem deve  repetir e conseguir os mesmos resultado do fenômeno via experiência  e não via raciocínio ou dedução.

Nos encontramos em um período que marca  a passagem da filosofia para ciência, o lema de nossa bandeira “ordem e progresso” é um lema positivista, com certeza. Temos a passagem do romantismo para o realismo, em Machado o inconsciente enquanto desejo do feminino faz com que a razão masculina não seja mais a dona do casamento, pois o desejo escapa em flertes, traições comprovando que o homem não é mais senhor de seu lar, como o  ego não é mais o senhor da razão. Mas a critica social/sexual de Machado é discreta singela, mas faz com que o amor romântico prevaleça sobre as regras sociais de forma amena e  discreta.

Vejamos para uma análise estes personagens femininos: Fidélia (viúva de Memorial de Aires), Flora (adolescente tão apaixonada que morre de amor), Virgilia (a amante de Memórias Póstumas de Brás Cubas), Capitu, a misteriosa mulher de dom casmurro, afinal ela traiu ou não Bentinho,  e Sofia a esposa que só não traiu por diletantismo de seu sedutor.

Virgilia, feminino de Virgilio poeta que influenciou Dante, que é seu guia nos sete círculos do inferno na Divina Comédia. É  Virgilia, amante tão idolatrada e depois abandonada, a mulher que presencia a morte de Brás Cubas e o faz lembrar dos tempos em que foram amantes. Sim, uma mulher casada, católica a quem o desejo foi mais forte, e a fez transgredir convenções sociais, pois além do amor platônico a possível gravidez de Virgilia demonstra que havia o ato sexual no cafofo dos amantes. Somente com as fofocas e avisos do chifre do marido que este toma atitude, pois a imagem  social vale mais que a verdade, e o marido traído, que todos sabem menos ele, não quer acreditar que o amigo é amante de sua mulher. Traição, dissimulação e o sacro casamento, eis no desejo e no amante a resposta do corpo, dos sexos  ao simulacro do amor do casamento burguês monogamico, uma falsidade, pois se existe verdade ela está  na paixão, a verdade dos amantes.

Flora é a adolescente apaixonada pelo gêmeos Esau e Jacó, e amando a ambos não pode escolher nenhum, por isso enlouquece febril em seus delírios, e morre  tendo um devaneio da fusão dos dois irmãos gêmeos em um homem só, ultimo delírio que esta doença chamada paixão provocou na jovem e virgem adolescente, afinal, paixão, vem da palavra grega pathos, de patológico, doentio, pois a paixão é uma loucura que tira a razão de seu lugar de senhor do corpo. Para Fora que queria um homem que fosse a fusão dos gêmeos, seu desejo só se realiza no delírio, e já que na realidade isto não é possível, a morte é a saída para o ideal romântico do amor tão ardente e real como impossível, o amor/desejo de uma virgem que ao ser a mulher amada e desejada por dois irmãos, não sabe escolher, e amando os dois não pode ter nenhum.

Fidélia,  feminino da  opera “Fidélio” do grande maestro e compositor  Beethoven representa a fidelidade da viuva, a qual Aires e a irmã apostam, se ela vai manter a fidelidade ao marido amado morto. Pois viuva nesta epoca é para sempre. Mas Fidélia é jovem e mesmo ainda amando o marido morto tem a vida, o corpo e seus desejos.  É  a unica que não rompe o modelo social de fidelidade, pois é normal uma viúva casar desde que espere o período de  luto. Ser  viuva a vida inteira a seria uma infidelidade aos desejos e a vida de Fidélia. Esta apesar de não confrontar a regra social, era objeto de desejo do velho Aires, por isso ele a queria viúva, pois sempre poderia acontecer um enlace com ele Aires, e se não fosse com ele que não seja com ninguém, mas o desejo foi mais forte e ela se casou com um jovem como ela.

Sofia em Quincas Borba é a sabedoria de uma mulher casada, mas muito vaidosa, sempre necessitando do olhar do outro sobre sua beleza acentuada com os vestidos e corpetes, fazendo-a mais deslumbrante com sua pele alva e jovial. Mas a mulher que se orgulha de seu corpo, de seus ombros a mostra, que tantos desejos despertam, adora valsar e quase trai o marido com um aventureiro apesar da paixão de…a quem ela tem asco, só não realizando a traição   porque seu amante, sedutor por profissão,  a achou muito “fácil” e por isso a despreza.

Mas o enigma da paixão e da  traição estão no personagem machadiano por essência, Capitu. Que lembra capitular, ceder, portanto o que dizer de Capitu, afinal traiu ou não Bentinho? Fica esta dúvida no livro inteiro o bruxo Machado enfeitiça tanto Bentinho quanto nós leitores, mas, no final é cruel a revelação: o filho de ambos é a cara do amigo Escobar, e quanto mais cresce mais parece com o amigo (pai?) ante a raiva silenciosa do “pai” traído que odiava silenciosamente este filho bastardo que o amava pois sempre o teve com o pai.

Fábio Lucas em seu livro “O núcleo e a periferia de Machado de Assis, assinala um estudo sobre Dom casmurro, o comparando ao Othelo de Shakespeare, (Dom Casmurro: the brazilian Othello of Machado de Assis, de Hellen Caldwell, que aborda o ciúme de Bentinho, e no texto da autora ela insinua que Santiago, seria uma palavra composta envolvendo santo e Iago, como fusão do bem e mal que existe em cada um de nós.

Mesmo sendo precursor do realismo na literatura brasileira,  o romantismo continua como subtexto, com o amor impossível, a transgressão das regras e normas sociais e religiosas sendo o desejo sexual mais forte que a paixão, que de proibida causa mais desejo.

Um retrato do Rio de janeiro antigo ou um desejo de Machado se envolver romanticamente com outras mulheres, desejo proibido pela estabilidade de seu casamento e falta de coragem ou vontade de contrariar as normas sociais então vigentes, ou então, um verdadeiro amor de Machado por sua esposa, que fez com que esta pulsão desejo permanecesse nas entrelinhas do texto Machadiano, com estas mulheres representadas nestes personagens, tão “imorais” como Bovary foi para sua época.

Concluindo, os maridos lembram o personagem  do  livro “O eterno Marido” de Dostoiewisk, que finge não ver o obvio, (as constantes traições da esposa, descoberta nas cartas dela e dos amantes quando ela morre), e mesmo assim o eterno marido prefere acreditar  na palavra  da esposa, quando viva, mesmo ante as evidencias e fofocas quando os casos prolongavam como descrito nas cartas da falecida. Também em Machado no final prevalece a norma social, e as mulheres de Machado nos livros ficam com os maridos deixando os amantes a ver navios.

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