Minas e os 300 anos da capitania
quarta-feira, 02/12/20 16:32* Por Mauro Werkema, Jornalista | Publicado no “Estado de Minas” de 28/11/2020
“Montani semper libres” (Os montanheses sempre serão livres)
Frase inscrita, em 1930, no Monumento á Terra Mineira, Praça Rui Barbosa, BH
Relembrar os 300 anos da criação da Capitania das Minas, a 2 de dezembro de 1720, não representa somente exaltar uma data histórica. É oportunidade, de evidente valor simbólico, para uma reflexão sobre a tricentenária trajetória histórica de Minas Gerais, evolução e conquistas, o domínio territorial, afirmação como povo e sociedade, conformação da identidade regional e expressão cultural e os traços que conformam a personalidade mineira. Mas, e sobretudo, suas lutas por emancipação política e econômica, ciclos e crises e sua ressignificação na contemporaneidade. Mas, e indispensavelmente, estimular a discussão necessária, senão inadiável, sobre a crise mineira dos nossos dias.
Convivem em Minas tradição e modernidade em uma exemplar diversidade cultural e natural gerada pela singularidade de sua formação, desde os anos de passagem entre os séculos 17 e 18, quanto ocorre a ocupação pioneira do território interior do Brasil-Colônia em busca do ouro. Da “Minas inaugural” à “Minas minerária”, expressões de Guimarães Rosa, e seus ciclos de exploração mineral, do ouro ao ferro, Minas deve sua origem, seu nome e sua formação. Mas também, na visão crítica da historiografia contemporânea, seus ciclos de espoliação econômica, que deveria ter garantido ao Estado uma maior retribuição e um melhor estágio de desenvolvimento.
Na Colônia, no Império e na República, os mineiros atuaram decisivamente na formação da nacionalidade brasileira. A revolta de Vila Rica (Ouro Preto) e Ribeirão do Carmo (Mariana) em 1720 é pioneira na resistência mineira à opressão colonial portuguesa. Por todo o século 18 ocorrerão sublevações e mesmo já no século 19, no regime imperial, nas lutas pela construção da nacionalidade brasileira. Em 1720, os mineiros, ainda em formação econômica e social incipiente, revoltam-se com a cobrança do quinto do ouro e contra a implantação das casas de fundição, ameaçam o governador, Pedro de Almeida e Portugal, Conde de Assumar, resistem ao controle do comércio, pedem maior autonomia e liberdade em documento de reivindicações avançado para a época.
A revolta obriga o governador a refugiar-se em Vila Rica, que se torna capital de Minas, e a agir com extremo rigor na repressão aos rebelados, com prisões, incêndios e suplício de Felipe dos Santos, que passa à história como primeiro mártir das lutas mineiras. A criação da Capitania das Minas do Ouro é uma reação do governo português, que reforça a gestão colonial, com governo próprio, desmembrado da Capitania de São Paulo e das Minas, que fora criada em 1709. A criação se faz por alvará do rei dom João V (1707 a 1750), que atende a recomendação do Conselho Ultramarino, como meio de organizar a gestão colonial e conter revoltas que ameaçavam o controle da rica colônia.
É oportuno momento de rever a trajetória de Minas nos seus 300 anos. Inclusive quanto à crise atual. Ver o que o passado nos ensina e aponta quanto à herança natural, o processo histórico e social e os valores que ensejariam uma ampliada emancipação econômica. Minas é rica, de solo e subsolo, de recursos humanos, de lições e experiências históricas e de vida, de homens públicos. E convocar para um novo tempo através de debates que envolvam a todos, na disseminação de conhecimento e consciência de que o “espírito de Minas”, que a história nos mostra e Drummond nos lembra, atue uma vez mais no enfrentamento da realidade adversa. Lembrar, também, o quanto, em diversos momentos, tem sido valiosa a contribuição de Minas ao Brasil, a merecer retribuição. Finalmente, aplica-se bem no momento a conclamação conspiratória de Tiradentes aos mineiros, em 1789: “Se todos quisessem, poderíamos fazer do Brasil uma grande nação”.
O conde de Assumar, mais tarde, em Portugal, ao explicar sua ação repressiva, considerada excessiva, diz em relatório que lhe é atribuído, que “estava em preparação em Minas um projeto de república, inspirado no modelo das cidades italianas, especialmente Veneza”. Falar em república, que significa “comunidade política soberana e auto-governada por seus cidadãos”, diz a historiadora Heloisa Starling (“Ser republicano no Brasil-Colônia – a história de uma tradição esquecida”, 2018), que assinala ser fato extraordinário, pelo seu significado e pioneirismo mineiro.
Minas tem outros avanços e conquistas a celebrar, a começar pelo esplendor cultural e artístico do século 18, as muitas rebeldias e revoltas e a Inconfidência de 1789, sempre pioneiros no sentimento nativista, de autonomia e independência. Contribuiu para a Independência de 1822, para a construção do Primeiro Império e suas leis, resistiu ao absolutismo de Pedro I com a Revolução Liberal de 1842, inspirou o movimento republicano que adotou Tiradentes e os poetas inconfidentes como símbolos. Em 1930 e 32 lutaram por novo regime no país. E, em Ouro Preto e cidades históricas, os modernistas descobriram uma autêntica cultura brasileira e nela fundamentaram a política de proteção do patrimônio histórico e artístico brasileiro e a criação do IPHAN. Deste “caldo de cultura” surge a mineiridade, “mistura de mineirismo cultural e mineirice política”, no dizer de Afonso Arinos.