GOVERNO JOGA CRISE PARA TRABALHADORES E EMPRESÁRIOS
segunda-feira, 23/03/20 14:34*por Wagner Ferreira
A Medida Provisória 927, publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), na noite deste domingo, 22/3, propõe “medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)”.
A norma tem pontos importantes para minimizar os impactos econômicos desta crise inédita de saúde pública mundial sobre o emprego e a renda dos trabalhadores e para a sobrevivência das empresas, em especial dos pequenos negócios. São exemplos: trabalho remoto, antecipação de férias, banco de horas, férias coletivas. Contudo, na prática, muitas empresas já vinham adotando esses mecanismos, diante da necessidade de preservarem a saúde de seus empregados, ou por determinações de governos locais (prefeitos e governadores).
A norma inovou no ordenamento jurídico ao criar a suspensão do contrato de trabalho, por até por quatro meses, para o trabalhador se qualificar em curso não presencial, sem garantia de recebimento de salário. O empregador poderá (não é obrigado) conceder uma ajuda compensatória mensal (não é salário). O trabalhador só tem direito a continuar recebendo os benefícios sem natureza salarial (plano de saúde, por exemplo). A negociação será individual ou por grupo de trabalhadores, não dependendo de sindicato, acordo ou convenção coletiva. ABSOLUTAMENTE INCONSTITUCIONAL!
A Constituição Federal, no art. 6º, inciso VI, proíbe a redução salarial, ressalvado o disposto em acordo ou convenção coletiva. A MP 927 nesse ponto é, portanto, inconstitucional, pois a pretexto de “força maior” autoriza a redução salarial de trabalhadores sem acordo ou convenção coletiva e sem a participação do sindicato da categoria.
Do ponto de vista prático, coloca o trabalhador, especialmente os mais humildes e de menor escolaridade, numa situação de desigualdade sobre o empregador, haja vista que o funcionário irá negociar diretamente com o patrão, sem a proteção ou orientação sindical sobre seus direitos e aferição da condição financeira da empresa, e terá que escolher em “manter seu emprego” ou se submeter a essa suspensão de contrato sem receber salário. E tudo isto num cenário em que não terá condições de obter renda extra, pois a orientação dos órgãos de saúde é de isolamento social por tempo indeterminado.
O ideal, neste caso, seria o governo federal fazer seu esforço próprio e já apontar uma renda mínima paga com recursos públicos para todos os trabalhadores que fossem enquadrados no regime de suspensão de contrato de trabalho para qualificação (inconstitucional). É que, neste momento, não se pode tirar das famílias a pouca renda que elas ainda possuem e que, consequentemente, fará falta à própria economia nacional, aprofundando o cenário de crise. Da mesma forma, os empresários, em especial pequenos negócios, precisam de crédito com juros razoáveis, adiamento de impostos sobre a folha de pagamento e insumos, entre outros incentivos estatais.
Para dizer o mínimo, o governo federal está extremamente equivocado ao editar a MP 927. É necessário tomar medidas efetivas contra o inimigo invisível. Vejam no link a seguir o que as grandes economias do mundo estão fazendo para evitar falências e a falta de dinheiro1.
Os Estados Unidos, por exemplo, já estudam o envio de cheque de US$ 1.000 dólares para as pessoas mais vulneráveis a fim de aumentar o consumo, além de suspender hipotecas e despejos até o final de abril. O Reino Unido garantiu US$ 400 bilhões em empréstimos para as empresas não falirem. Na França, o governo fornecerá benefícios aos trabalhadores autônomos e pagará por dois meses a remuneração dos funcionários parcialmente desempregados devido ao coronavírus. O plano também inclui um “fundo de solidariedade” para pequenas empresas cuja renda caiu substancialmente.
Como se vê, o governo federal do Brasil está na contramão das grandes economias mundiais. Em vez de garantir renda, autoriza um “desemprego light”, reduzindo a circulação de dinheiro e do consumo, expondo famílias ao perigo de, repentinamente, não terem dinheiro para o aluguel, para comprar remédios ou outros bens de necessidade básica. E não aponta ainda nenhuma medida para aqueles que estão na informalidade, autônomos, ou que se encontram desempregados.
Em resumo, o governo brasileiro não pode continuar a lavar as mãos e deve intervir imediatamente na economia de forma a garantir o bem comum. Não pode jogar para trabalhadores e empresários o problema que, sozinhos, não tem como resolver. A nossa tarefa agora é pressionar os parlamentares no Congresso Nacional para alterar profundamente essa MP.