Caso Julieta: reflexões sobre a vulnerabilidade das mulheres ciclistas
sexta-feira, 12/01/24 16:26*por Adriana Teodoro
O assassinato da venezuelana Julieta Hernández chocou o município de Presidente Figueiredo, no Amazonas, e tomou proporções em toda a América Latina. A artista talentosa, que cortava o país sozinha de bicicleta promovendo a arte circense, foi encontrada em uma área de mata na periferia da cidade, a apenas 117 quilômetros de Manaus. Ela desapareceu no dia 23 de dezembro quando voltava à Venezuela para encontrar a mãe.
Julieta foi agredida, roubada, abusada sexualmente e teve o corpo queimado antes de ser enforcada. O caso ainda está em investigação, mas um casal já confessou ter cometido os crimes. Nesta sexta-feira triste, em que a artista está sendo sepultada em Puerto Ordaz, na Venezuela, cidade natal de sua mãe, e atos estão sendo realizados em sua homenagem em vários países, vale refletir sobre a sociedade em que vivemos, que ainda não consegue garantir segurança e proteção às mulheres.
Julieta não era apenas uma artista imigrante, mas uma voz que buscava construir pontes entre culturas e contribuir para que a arte chegasse a todos. Para levar seu trabalho a cada canto, a “Palhaça Jujuba”, como era conhecida, escolheu uma bicicleta. Mais do que um meio de locomoção eficiente, a magrela expressava sua liberdade e independência – elementos, que, já se sabe, incomodam o patriarcado. Diante disso, a pergunta que precisamos nos fazer é: por que uma mulher livre incomoda tanto?
A questão revela as camadas por trás do preconceito de gênero, que continua ameaçando mulheres até mesmo em ambientes que deveriam ser considerados seguros. Seja em casa ou na rua, todas sentem os reflexos da violência. Assim como Julieta, outras ciclistas vivenciam diariamente o assédio. Desde comentários ofensivos até ataques físicos, a experiência de muitas mulheres é marcada pela insegurança, transformando o simples ato de andar de bicicleta em uma atividade que traz riscos. A liberdade de escolher como se locomover não deve ser um privilégio masculino. Todas têm o direito de se movimentar pela cidade sem qualquer medo.
O feminicídio não é um problema isolado, mas um sintoma de uma cultura que muitas vezes tolera ou minimiza a violência de gênero. É fundamental que as autoridades competentes investiguem cuidadosamente o caso de Julieta e garantam que a justiça seja feita. À sociedade, cabe reavaliar suas atitudes em relação às mulheres.
O caso de Julieta deve servir como um apelo para a ação. Precisamos criar uma sociedade onde todas as mulheres, incluindo as ciclistas, possam desfrutar de suas vidas sem a ameaça constante da violência de gênero. Sonhamos com os dias em que as ruas e as estradas serão seguras para todos e todas. Nesse tempo, Julieta teria a chance de ter terminado seu percurso, continuaria encantando mais pessoas com sua arte e encontraria sua mãezinha que a esperava na amada Venezuela. Julieta, presente!
*Adriana Teodoro é graduada em Engenharia Civil e servidora efetiva do TJMG desde 2008. Também é sindicalista, feminista, militante de esquerda e ciclista. Atualmente, é diretora Administrativa do SINJUS-MG e coordenadora do Núcleo das Mulheres (NM).