REALIDADE

MAIOR PARTE DOS SERVIDORES PÚBLICOS GANHA ATÉ R$ 5.000

segunda-feira, 24/07/23 17:56 em um fundo de madeira clara está um pequeno maço de dinheiro envolto por uma nota de cem reais, por cima deste conjunto está uma pilha de moedas de um real e de cinquenta centavos.

A elite do funcionalismo público é famosa pelos privilégios. São constantes os levantamentos feitos para denunciar o grupo com supersalários, aquele que ganha acima do teto previsto para o setor público, hoje em R$ 41.650. Pouco se sabe, no entanto, sobre o conjunto dos servidores abaixo dessa casta, que em sua maioria recebem praticamente um décimo do limite.

A República.org, instituto dedicado a aprimorar a gestão de pessoas no serviço público brasileiro, acaba de criar e disponibilizar em seu site o República em Dados, uma base de consulta que consolida informações sobre servidores, apuradas por diferentes fontes oficiais, como o Atlas do Estado Brasileiro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego.

A consulta é pública, e os números desmistificam muito do que se propaga como regalias em relação funcionalismo público brasileiro.

“Na verdade, o Estado brasileiro reproduz no serviço público muitas das desigualdades da sociedade que vemos no dia a dia, mas prevalece o estigma de que todo servidor ganha demais, o que não é verdade”, afirma Helena Wajnman, diretora-executiva da República.org.

A partir dos dados, Helena explica que metade dos servidores recebe cerca de R$ 3.400 por mês, ou seja, menos de três salários mínimos, que hoje está fixado em R$ 1.320. Ampliando um pouco o escopo, 70% do total recebe mensalmente até R$ 5.000.

O cálculo considera os contracheques de servidores estatutários, o grupo que fez concurso e tem estabilidade, nos diferentes Poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — em diferentes esferas — municípios, estados e União. Trata-se de uma massa de quase 7 milhões de pessoas.

A conta não inclui os não estatutários, que têm outros tipos de vínculo. Assim como os informais do setor privado ganham menos que os registrados, eles ganham menos que os concursados no setor público. Não existe uma estimativa certeira para a diferença, porque os valores variam muito. Esse grupo reúne 4 milhões de pessoas, 39% do total.

Existem servidores no modelo CLT, que podem ser demitidos a qualquer momento. Muitos hoje têm contrato temporário, modalidade que cresceu especialmente na educação municipal e estadual. Há também o servidor contratado para parcerias provisórias atendendo a demanda de projetos.

A estruturação de um sistema misto de contratações, com tipos de vínculo, mas que mantenha os ganhos e preserve carreiras de Estado, é um debate em curso no setor. Entre os concursados, o que puxa a média geral do rendimento para baixo é a geografia da contratação.

Ao contrário do que se imagina, a maioria dos servidores não está sentada nos escritórios em Brasília, onde se concentra o funcionalismo federal e são pagos valores mais elevados. Essa esfera contrata apenas 8,2% do total.

Os estados contratam 31,4% dos servidores, com destaque para cerca de 530 mil policiais militares e civis responsáveis pela segurança pública.

A maior parte, 59,8%, está espalhada pelos 5.568 municípios do país, onde se paga menos. O destaque são profissionais como professores, enfermeiros e assistentes sociais, que lidam diretamente com os membros de suas comunidades.

O contingente de servidores municipais foi o que mais cresceu desde os anos de 1990, para cumprir a universalização do direito a saúde e educação prevista na Constituição de 1988.

Os chamados supersalários estão acima do teto de R$ 41.650, que equivale ao rendimento máximo do juiz do Supremo Tribunal Federal. Esse pequeno grupo representa de 0,06% do total. Entre os integrantes mais citados estão juízes, procuradores e promotores.

A regra de que um servidor não pode ganhar mais do que teto está prevista na Constituição, mas foram criadas interpretações alternativas que abriram espaço legal para ganhos acima do limite. Um projeto de lei parado no Senado busca limitar de vez os ganhos excedentes.

Os especialistas, no entanto, avisam que, para reduzir os grandes desníveis salariais no setor público, também é preciso diminuir a diferença na base.

“Existem enormes distorções e falta de uniformidade nas regras de cada carreira e de suas remunerações”, afirma Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

“Entre os temas urgentes está fazer valer a regra do teto, mas reduzir a distância entre os maiores e os menores salários demanda outras iniciativas, como a criação de órgãos para fazer a gestão do desempenho, nas diferentes carreiras, para que se valorize quem trabalha melhor.”

Outro problema que produz desigualdade salarial é a baixa diversidade, que é melhor medida na progressão de carreiras. No Executivo federal, homens brancos recebem em média R$ 8.774, e os negros, R$ 7.753. As mulheres brancas, R$ 6.272, e as mulheres negras têm o menor rendimento, R$ 5.815. A diferença salarial está no fato de os homens brancos terem mais facilidade de ascensão a cargos de chefia do que os outros segmentos.

Um exemplo. Homens brancos são historicamente maioria nos DAS-6 (Direção e Assessoramento nível 6), o topo dos comissionados, cargos de confiança ocupados por pessoas indicadas pelos integrantes do governo da vez. Eles são escolhidos. A reforma nas carreiras e uma nova gestão de pessoal são caminhos para alterar essa dinâmica interna. Muitos acreditam, no entanto, que distorções dessa baixa inclusão poderia ser corrigidas com a reestruturação dos concursos públicos.

Já faz um tempo que os especialistas debatem a questão, com argumentos a favor e contra. O principal deles é que os concursos públicos foram capturados por uma “indústria de aprovação”. Atraem principalmente os chamados concurseiros, pessoas que têm tempo e dinheiro para se preparar, não necessariamente vocação.

“Para tornar os concursos públicos mais eficazes na mensuração de habilidades e competências dos candidatos, é necessário repensar a forma tradicional de condução desses processos seletivos”, afirma Renata Vilhena, presidente do Conselho da República.org. “Novas formas, com a avaliação de habilidades práticas, dinâmicas de grupo e simulações, entrevistas, experiência profissional relevante, entre outras, podem ser essenciais”.

Fonte: Folha de S. Paulo / Alexa Salomão

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