Zema vai entregar o Estado com mais dívidas do que recebeu em 2019
segunda-feira, 08/08/22 12:54Foto: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília
Em 2020, Minas celebrou acordo com a União abrindo mão de R$ 126 bilhões
Wallace Oliveira e Bruno Carvalho
Edição: Elis Almeida
A dívida de Minas chega a R$173 bilhões, descontadas as amortizações e serviços. O maior crescimento nominal ocorreu com Zema no governo, em cerca de R$50,3 bilhões, ou seja, mais do que em quatro anos de governo Pimentel (PT), quando a dívida cresceu R$31,6 bi.
A explicação é que a maior parte, a dívida com a União, foi suspensa graças a uma liminar obtida no final do governo Pimentel, em 2018. A suspensão do pagamento de cerca de R$ 40 bilhões aos cofres federais permitiu, a partir de 2021, pagar os vencimentos dos servidores em dia. Por outro lado, o serviço público teve os salários congelados.
“No futuro, essa dívida vai ter que ser paga e pouco importa se ela vai ser postergada para daqui seis, nove ou 30 anos. O que todo esse movimento permite é delongar o montante da dívida, transferir para governos futuros”, pontua o economista e auditor fiscal Marco Túlio da Silva, vice-presidente da Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais (Affemg).
Tabela: / Brasil de Fato MG
Mais dinheiro em caixa
Além da suspensão de pagamentos, Zema contou com um crescimento das receitas. Se em quatro anos da gestão Pimentel (entre 2015 e 2018) o Estado arrecadou R$ 292,5 bilhões, nos últimos três anos e meio, a arrecadação total foi de cerca de R$ 392 bilhões (44% a mais que o antecessor).
Nesse aspecto, a gestão Zema foi beneficiada por três fatores. O primeiro foi o crescimento real de 3% nas receitas tributárias, puxadas pela inflação do combustível, da energia e de outros bens e serviços, fazendo aumentar a arrecadação de impostos como o ICMS (ampliação de R$ 16 bilhões entre 2018 e 2021).
Além disso, Minas recebeu R$ 8 bilhões a mais em transferências da União, enquanto, na gestão anterior, houve uma perda de 13%. Outro reforço veio do acordo firmado com a Vale pela reparação do crime cometido em Brumadinho. Desde a celebração do acordo, em 2021, até abril de 2022, foram incorporados ao orçamento estadual cerca de R$ 4,5 bi pagos pela mineradora.
Tabela: / Brasil de Fato MG
Até julho, o governo tinha em caixa R$ 37 bilhões, segundo levantamento feito pelo Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG). Porém, o governador argumenta que o Estado tem um endividamento explosivo, que não há dinheiro para retomar o pagamento da dívida e que o único caminho para resolver o problema é a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) de Bolsonaro.
Para Hugo René, presidente do Sinfazfisco-MG, a argumentação do governo denota uma falta de compromisso com as contas públicas. “A dívida tem juros e ele deixa correr com dinheiro em caixa. É como um cidadão que deve o cartão de crédito ou cheque especial com juros exorbitantes e deixa o dinheiro parado na conta corrente”, compara.
Zema e Bolsonaro: “93% de desconto à União”
Embora o governo cite a dívida do Estado como justificativa para a falta de investimentos e a não valorização dos servidores, isso não o impediu de renunciar a receitas bilionárias.
Em 2020, Zema celebrou um acordo com o governo Bolsonaro (PL) abrindo mão de R$126 bilhões a que teria direito como compensação pelas perdas decorrentes da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996).
Essa lei federal liberou empresas que exportam bens primários, como minério de ferro e produtos agrícolas, de pagarem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um dos tributos mais importantes para o financiamento dos estados.
Governadores calculam que as perdas causadas por essa lei chegariam a R$ 600 bilhões. Em 2016, uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou que o Tribunal de Contas da União deveria estabelecer regras para compensar os estados. Na época, um levantamento da Secretaria de Estado da Fazenda apontava que Minas teria direito a receber R$ 135 bilhões, isto é, mais do que o montante devido à União.
Porém, no acordo com o governo federal, o governo de Minas consentiu com uma compensação menor: R$ 8,7 bilhões, parcelados até 2037. Desse modo, o governo estadual abriu mão de 93% do total cobrado na Justiça.
“Se Minas concede 93% de desconto à União, esta, por sua vez, quer que o estado pague sua dívida integral. Ora, se houve uma negociação política no caso da Lei Kandir, também poderia haver uma negociação política para rever a dívida com a União”, defende o economista Marco Túlio Silva.
Governo não enfrenta a dívida porque quer aderir ao RRF
“A alegada crise e a necessidade de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) configuram uma estratégia para transferir a responsabilidade dos políticos para os servidores e para o cidadão que necessita do serviço público”, avalia Felipe Rodrigues, diretor de finanças do Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais (Sinjus-mg).
Rio de Janeiro com o RRF viu a dívida saltar de 234% da receita para 319%
O Regime, criado pelo governo federal em 2017, permitirá que o pagamento da dívida seja suspenso no primeiro ano e retomado nos nove seguintes, de forma parcelada, aumentando o valor da parcela gradativamente. Em troca, Minas terá que desistir de ações judiciais que questionam a dívida com a União.
Além disso, a administração financeira do Estado será submetida a um conselho supervisor, composto por um indicado do Tribunal de Contas da União, um do Ministério da Economia e outro do governo estadual. Investimentos serão restringidos e salários e as carreiras dos servidores serão congelados por quase uma década.
Em 2017, o Rio de Janeiro foi o primeiro estado a aderir ao RRF. Três anos depois, a dívida pública fluminense disparou. No início, correspondia a 234% da receita corrente; em 2020, a dívida saltou para 319% da receita corrente.
Em Minas, a tentativa de adesão ao RRF remonta a 2019, isto é, três anos antes de expirar o prazo da liminar que suspendeu o pagamento da dívida. Na época, o governador encaminhou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei (PL 1202) prevendo o ingresso no Regime.
Como a matéria não foi apreciada no Plenário, em junho, o governador recorreu ao STF, pedindo a adesão sem passar pelo Legislativo. No mês de julho, duas decisões liminares do Supremo, sendo uma do ministro Luís Roberto Barroso e outra do ministro Nunes Marques, permitiram ao governo dar seguimento às negociações com o Ministério da Economia sem a anuência dos deputados estaduais.
Especialistas defendem revisão técnica da dívida com a União
Nas decisões, ambos os ministros repetiram o argumento do governo, segundo o qual a ALMG se omitiu no tocante à questão da dívida. Porém, em junho, a Assembleia havia aprovado – e o governador sancionado – a Lei 24.185/2022, autorizando o Poder Executivo a celebrar o contrato de confissão e refinanciamento de dívidas, em condições mais vantajosas do que as atuais: prazo de 360 meses, com eliminação de encargos, de correção e de juros de 4%, somados à inflação do período, tendo como limite máximo a Selic.
Dívida precisa ser questionada
Especialistas defendem que é necessário fazer uma revisão técnica (auditoria) e política da dívida com a União. Segundo ele, há muitas evidências de que houve cobranças indevidas e parte considerável já foi paga.
Para se ter uma ideia, dados do Tesouro Nacional mostram que, entre 1998 e 2019, o Estado quitou R$ 45,8 bilhões em juros e amortizações, mas o estoque da dívida mineira saltou de R$ 14 bilhões para R$ 93 bilhões.
O economista Marco Túlio da Silva cita como fatores para esse crescimento as elevadas taxas de juros e a cobrança de juros sobre juros, bem como contratos de refinanciamento, desde os anos 90, com indexação pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), um índice superior à inflação oficial, influenciado pelas variações da taxa de câmbio.
Entre 1998 e 2019, Minas quitou R$ 45,8 bilhões mas a dívida saltou de R$ 14 bilhões para R$ 93 bilhões
“Além disso, um terço da dívida decorre do Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes), no qual o estado assumiu as dívidas dos bancos Bemge, Credireal e Minas Caixa, antes de privatizá-los ou liquidá-los. E os ativos desses bancos representavam um valor menor do que a dívida que o Estado assumiu. Foi uma imposição do governo federal que gerou endividamento”, acrescenta.
Outro lado
A reportagem fez contato com a assessoria do governo de Minas Gerais para comentar as questões abordadas e aguarda resposta.
Fonte: Especial Brasil de Fato “4 anos de governo Zema”