A Tosse
segunda-feira, 19/09/16 16:00Por Anna Maria de Almeida Rezende
No dia 28/01/016, última 5ª feira do mês, nos reunimos para mais um encontro mensal de nossa "Roda de Leitura"- movimento literário dos aposentados do TJMG, coordenado por Arthur Lobato, psicólogo, para discutirmos a obra "Montanha Russa", crônicas, de Martha Medeiros, objeto de leitura do mês de janeiro/2016.
Chegada a minha vez de tecer comentários a respeito da obra, dentre as crônicas de que mais gostei ou com que me identifiquei, houve uma que me agradou especialmente "O Riso e a Tosse", à página 100, por já ter vivido situação muito semelhante à descrita na crônica de nossa autora, o que provocou em mim boas lembranças e, aos demais, boas risadas.
O parágrafo, motivo da crônica é o 2º e começa assim:
"O Rio Grande do Sul tem fama de ter um público que respeita o teatro. Faz jus. Os celulares costumam ficar desligados e ninguém chega depois de a peça começar. Mas tem duas coisas intrigantes que seguem acontecendo aqui e no país inteiro, não sei se você já reparou.
A primeira dela: tosse. As pessoas tossem em filas de ônibus, bares e escritórios. Até aí, normal. No inverno, mais normal ainda. Mas é no teatro que a tosse se manifesta com toda sua insistência. Alguém tosse na esquerda, outro tosse na direita, e daqui a pouco instaura-se uma sinfonia que quase abafa a fala dos atores. Será coincidência o fato de vários sujeitos com gripe, coqueluche, tuberculose e bronquite irem ao teatro no mesmo dia? Pouco provável. Não estão doentes, salvo um ou dois. O que acontece é que a obrigação de fazer silêncio estimula a fabricação de ruídos. É uma transgressão inconsciente. Exige-se mudez, então retribui-se com expectorações."
E, de maneira ligeira, comentei com os colegas participantes, o fato que se deu comigo em uma apresentação de música erudita,na cidade de Londres, lá pelos idos de outubro de 1993, ou seja, há quase 23 anos.
Nosso coordenador, Arthur, sugeriu, então, que eu descrevesse em forma de crônica, o fato vivido, visto eu ainda não ter levado por escrito nada de minha autoria.
É o que se segue:
Um momento no tempo: A Tosse.
Eu jamais poderia imaginar que o convite de meu irmão, residente em Londres havia já alguns anos, para assistirmos a um Concerto de uma Orquestra Sinfônica, fosse me marcar tanto! Mas marcou! E muito! Pois cada vez que me lembro do acontecido, não deixo de me reportar ao local do Concerto e à lembrança do fato que, de tão intempestivo, para não dizer trágico, se tornou motivo de boas risadas.
Londres é um dos grandes centros mundiais da música clássica e os londrinos têm, à sua disposição, inúmeras opções para ouvir Concertos a qualquer hora do dia, em diversos locais da cidade. Ou seja, o que para nós é um acontecimento, para nossos irmãos de lá é fato corriqueiro. E, à noite, lá fomos nós, irmão, irmã, meu marido e eu, assistir ao grande acontecimento musical, na cidade de Londres.
Como bons brasileiros que se prezam pela aparência estávamos bem arrumados, em nossos trajes formais. Não me lembro de ter visto ninguém de plumas e paetês, mas as pessoas do local estavam bem vestidas, com roupas clássicas, terno e gravata e o ambiente era bastante elegante. O Teatro, construído especialmente para concertos musicais, impressionava pelo luxo e pelo bom gosto, pela arquitetura ímpar e suntuosa.
Mas isso é apenas um detalhe, porque o importante mesmo, segundo meu irmão, já uma tradição, era o silêncio exigido durante as apresentações. Nada de falatórios, nada de barulho, sequer de papel de bala; caso quiséssemos ir ao banheiro, deveríamos aguardar os intervalos e tosse, nem pensar!! meu irmão falou diretamente a mim, pois essa tosse seca é coisa bem antiga, coisa de minha característica.
Corríamos o risco do Maestro interromper sua apresentação e aguardar o silêncio total para recomeçar. Santo Deus!!
Eu e meu marido nos sentamos na última fileira e meus irmãos se acomodaram bem mais à frente. O primeiro alerta sonoro foi dado e eu, já bastante tensa, enchia minha boca de pastilhas. O segundo sinal, daí a alguns segundos e, finalmente, o terceiro alerta soou, indicando que o espetáculo iria começar. Não se admite mais qualquer barulho!!
Silêncio absoluto!!! A platéia imóvel como estátua, hirta, estática!!
Passados alguns segundos, comecei a pressentir o "desastre"!!]
Pigarreei uma vez, nada de alívio!! pigarreei segunda vez, nada de alívio!! Nada!!
Nessas alturas já rezava para todos os santos, meus conhecidos, para me ajudarem, mas nada!! Os santos não estavam cooperando comigo!!
Então, vira-se uma senhora à minha frente e me olha com uma cara bem fechada, o que me fez sentir muito mal.
Disse então a meu marido: "eu vou tossir!"
– Ele: "não tosse não!… tosse no lenço!"
– "Não consigo, vou tossir!".
Ai meu Deus!! a senhora voltou a se virar e, com o dedo indicador na boca, disse: "Silêncio!, silêncio!" em inglês, naturalmente, mas eu pude entender muito bem no bom português!!!
-"Vamos sair", disse meu marido já me puxando pela mão.
Ainda tivemos que incomodar as outras pessoas que se assentavam ao nosso lado na posição da saída, o que foi muito constrangedor, provocando desaprovação através de olhares e muxoxos.
Resultado: Saímos os dois e ficamos por todo o tempo à espera do término da apresentação, superchateados por não termos assistido à grande programação da noite. E querem saber mais? Do lado de fora da sala de concertos, não tive sequer nenhum incômodo de tosse!! Pode uma coisa dessas?
Anna Maria de Almeida – Aposentada do TJMG
Roda de Leitura – SINJUS