PREVIDÊNCIA VERSUS JUROS DA DÍVIDA

terça-feira, 31/05/16 18:10

*Por José Moreira Magalhães

O governo Temer vive um falso dilema, ainda não explicitado como convém, e que afeta a todos nós. Trata-se da questão do “resultado primário”, particularmente de seus efeitos sobre as contas públicas e do alcance das diversas reformas em cogitação, como aumento de impostos e corte de gastos. 
 
O resultado primário, quando positivo, é a diferença  para mais entre as receitas e as despesas do setor público, excluídas aquelas de natureza financeira. No popular, é o que se economiza para pagar a dívida pública, a amortização e os juros. Setor público, nesse caso, inclui o governo federal, a previdência, o Banco Central, as estatais, estados e municípios.
 
O último rombo estimado para 2016 é de R$ 150 bilhões, contra R$30 bilhões positivos, inicialmente, do governo Dilma. No conjunto, uma diferença de quase R$ 200 bilhões, sem incluir, conforme afirmou o novo Ministro Henrique Meirelles, eventuais receitas extraordinárias, como possíveis novos impostos, nem despesas ainda não conhecidas, tais quais os passivos da Eletrobrás e da Caixa Econômica Federal, a negociação com Estados, etc.
Quais os meios de superação?
 
Reforma da Previdência, redução da máquina pública e corte de gastos, revisão dos programas sociais naquilo que possam ter de descontrole ou excesso, eventualmente algum imposto novo “temporário”,  como a CPMF e a CIDE. Nada sobre os juros da dívida, a SELIC, hoje em 14,25% ao ano, num cenário de inflação descendente e sem características de “demanda”- portanto, sem espaço para aperto de política monetária. Estamos em plena recessão, ao contrário. Duas observações importantes: o impacto dos juros da dívida sobre as contas públicas foi de R$ 501 bilhões em 2015, e de R$ 600 bilhões em 2016. Isso porque juros não pagos são incorporados à dívida, através de sua rolagem, com emissão de mais títulos públicos.
 
A segunda observação refere-se ao impacto de cerca de 370 bilhões/ano em perda de receitas com desonerações fiscais, sem eficácia do ponto de vista de alavancagem de investimentos e de arrecadação fiscal. Só aqui, R$ 870 bilhões/ano.
 
Não há forma de “resultado primário” que pague essa conta. Daí a ausência de foco das medidas pensadas até o momento, pelo menos como suficientes. E o agravamento do endividamento, crescente a cada ano, exige cada vez mais resultados e pode nos levar à insolvência, além de, do ponto de vista distributivo, favorecer sobremaneira a parcela rentista da população.
 
Não discordo que cabe discutir a situação da Previdência a longo prazo, tendo em vista um possível desbalanceamento da relação massa de contribuintes versus massa de beneficiários. Mas que isso seja feito com transparência e lealdade. Sem viés e sem radicalismos. Com foco na garantia de direitos e sustentabilidade da liquidez do sistema no tempo.
 
É preciso sensatez e equilíbrio nessa hora grave. Existe uma equação que precisa ser fechada, a meu ver. De um lado, a oferta, pelo Estado, de bens e de serviços públicos de qualidade e com a extensão necessária para a sociedade; de outro, a reorganização do Estado compatível com a carga tributária.

Essas variáveis estão intrinsecamente relacionadas, mas há escolhas em jogo em sua manipulação. Nesse contexto, servir aos rentistas e a “empresas campeãs”, via juros descabidos e subsídios ineficazes, além de injusto, é uma contradição na política econômica. 

José Moreira Magalhães

É economista, com especialização em Planejamento Governamental; consultor em orçamento e finanças; e fiscal de tributos estaduais. Foi diretor de arrecadação, diretor do Tesouro Estadual e Diretor Financeiro do TJMG. Autor do livro "Desvendando as Finanças Públicas".

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