Sobre a defasagem da tabela do IR
terça-feira, 10/02/15 16:00A economia brasileira passa por um período já prolongado de índices de inflação anual não desprezíveis, beirando o teto da meta de 6,5%. Em 2014, por exemplo, o IPCA/IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), medida oficial da inflação, fechou o ano em 6,41%.
O conceito de inflação é clássico: um aumento persistente e generalizado dos preços dos bens e dos serviços produzidos em uma economia. Persistente, por não ser ocasional, fruto, por exemplo, de um choque na oferta de um bem por frustração de safra; generalizado, por não ser particularizado ou relativo a um bem/serviço específico, tipo tomate.
O efeito da inflação sobre a sociedade, sobretudo sua parcela mais indefesa, é concreto e perceptível. Faz cair o poder de compra de sua renda, ou seja, dada a inflação, o que se comprava antes com determinada quantidade de moeda, já não se compra mais. E mais, distorce o efeito distributivo das políticas públicas ao penalizar diretamente aqueles que não possuem mecanismos de defesa no mercado, como fazem produtores (pelo repasse aos preços) e rentistas (pelas aplicações especulativas).
O próprio Governo, que participa do sistema econômico arrecadando tributos e realizando despesas, protege-se dos impactos da inflação, ao reduzir prazos de recolhimento ou ao indexar o recolhimento aos índices de preços (efeito Tanzi) ou ao postergar o pagamento de suas despesas mantendo seu valor de face (efeito Patinkin).
O tributo que melhor reflete o efeito inflacionário sobre a renda é o Imposto de Renda. O IR se estrutura sobre três pilares básicos. Todos diretamente relacionados com o fenômeno inflacionário.
-a definição do valor da renda para base da tributação;
-as alíquotas incidentes por faixa de renda;
-as parcelas dedutíveis antes da tributação.
No Brasil, a prevalecer o veto da Presidente sobre a correção da chamada “tabela do IR” de 6,5% para 4,5% no exercício de 2015, mais uma vez, os assalariados não rentistas pagarão pelo aumento da carga fiscal do imposto. A percepção acumulada de pequenas perdas anuais vai se tornando cada vez mais relevante. Segundo cálculos dos Auditores Fiscais da Receita Federal, a defasagem acumulada entre a correção da tabela do IR e a inflação, no período 1996/2014, já monta a 64,28%.
Com isso, um imposto como o IR, cuja natureza deveria implicar em nítida progressividade (quem ganha mais paga mais), vem se tornando, ano a ano, mais regressivo, ou seja, a cada ano, assalariados com menores níveis de renda vão sendo chamados a contribuir.
Um estudo da ex-Ernst/Young revela que, em 1996, os trabalhadores que ganhavam até oito salários mínimos eram isentos do imposto; hoje esse parâmetro caiu para 2,5 salários mínimos. De outro lado, no que se refere às alíquotas, nossa alíquota máxima de 27,5% é uma das menores do mundo, prejudicando a progressividade e a justiça fiscal do imposto. A título de exemplo, por esse critério, aqueles que ganham R$ 4.463 são pegos em alíquota igual aos que ganham, por exemplo, R$ 50.000 reais.
As parcelas dedutíveis também contribuem para a regressividade do imposto. A parcela mais rica da população é muito mais favorecida que a mais pobre, relativamente ao potencial de dedutibilidade.
Por essas e outras razões, a carga tributária brasileira vai aos poucos se aproximando das mais altas do mundo, a segunda na América Latina, em que pese a desqualificada prestação de serviços públicos à sociedade.
Em 2013, em proporção do PIB, nossa carga tributária chegou a 35,9%, acima da média dos países da OCDE (35,5%), do Reino Unido (35,2%), da Espanha (32,9%) e bem próxima da Alemanha (37,6%). Nossa injustiça fiscal é um tiro no pé de nossas políticas distributivas.
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