A Construção de Relatos dos Casos de Assédio Moral

terça-feira, 09/10/12 15:15

* Arthur Lobato

A técnica da escuta do psicólogo sobre o livre discurso do servidor é a fonte primária para a elaboração escrita do discurso sob a forma de anamnese (o histórico do trabalho do servidor, os conflitos, quando os problemas começaram a acontecer…), para se entender se houve a prática do assédio moral, perseguição ou abuso de autoridade; situações que degradam o ambiente de trabalho e causam danos à saúde do servidor. A sistematização do discurso livre do servidor tem suas pontuações – os momentos onde aconteceu, o clímax, o fator desencadeante da doença – do sofrimento psíquico.

No atendimento do “Plantão do Assédio Moral” o discurso livre do servidor é, aos poucos, analisado pelo psicólogo, que tenta entende-lo, decifrar significantes – como nome de pessoas e situações vividas, sem que o discurso seja interrompido. Após ouvir, pontua-se momentos do discurso, para que o servidor os explique detalhadamente. São os pontos nevrálgicos do discurso, percebidos pela escuta do psicólogo. Construímos os relatos dos casos de assédio moral com a escuta do discurso, pela anamnese e, num segundo momento, juntamente com o servidor, preenchemos lacunas, re-significando significantes, separando o emocional do discurso, construindo assim um texto que é identificado pelo paciente como a tradução do que ele viveu ou esta vivendo.

Um dos últimos textos escritos por Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, tem o sugestivo título de “Construções em Análise”. Em determinado momento Freud alude à técnica para construções em análise: “Se ele (o paciente) se entrega à associação livre, produz ainda ideias em que podemos descobrir alusões às experiências reprimidas, e derivados dos impulsos afetivos recalcados, bem como das reações contra eles. Finalmente há sugestões de repetições dos afetos pertencentes ao material reprimido, que podem ser encontradas em ações desempenhadas pelo paciente, algumas bastante importantes, outras triviais, tanto dentro quanto fora da situação analítica. Nossa experiência demonstrou que a relação de transferência que se estabelece com o analista é especificamente calculada para favorecer o retorno destas conexões emocionais”.

No segundo atendimento (retorno do servidor ao “Plantão do Assédio”, o caso já foi construído na forma de texto, analisado pelo viés da psicologia; do sindicalista – que percebe como a estrutura do trabalho esta possibilitando o adoecer do servidor; e pelo advogado, que busca dados para uma ação jurídica. É comum, durante o segundo atendimento, que algo não dito no primeiro atendimento seja a essência do discurso. Geralmente, começa-se assim: “Tem algo que esqueci de falar…”, ou então lacunas são preenchidas pelo servidor quando se faz a leitura da anamnese. No assédio moral, o discurso está repleto de afetos pertencentes ao material vivido e recalcado, e muitos servidores vivenciam a dor e o sofrimento no ato do discurso, daí a importância da relação de confiança e transferência que se estabelece entre o servidor e o analista, para favorecer o retorno destas conexões emocionais, que muitas vezes são chaves que elucidam porquê ocorreu ou esta ocorrendo o assédio moral.

Citando Freud novamente em Construções em Análise – “Pode-se por um momento parecer estranho que um fato tão fundamental não tenha sido apontado, mas imediatamente se perceberá que nada estava sendo retido nisso, que se trata de um fato universalmente conhecido e por assim dizer auto-evidente e que simplesmente é colocado em relevo aqui e examinado isoladamente para um propósito especifico. (…) Nossa tarefa é a de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si ou mais corretamente construí-los. A ocasião e o modo como transmite suas construções à pessoa que esta sendo analisada, bem como, as explicações com que as faz acompanhar constituem o vínculo entre as duas partes do trabalho de análise”.

Portanto, nosso trabalho no plantão do assédio moral é a construção do caso para entender se houve a prática do assédio moral, quando começou, como foi exercido sobre o servidor e as consequências para sua saúde, e o que pode ser feito através de ações sindicais ou jurídicas.

*Arthur Lobato é psicólogo e trabalha no “Plantão de Combate ao Assédio Moral” no Sinjus e Serjusmig.

Artigo publicado no jornal Expressão Sinjus, em fevereiro de 2008

Arthur Lobato

É psicólogo da área de saúde do trabalhador. Integra a equipe da Comissão de Assédio Moral do SINJUS-MG. Participou de Congressos Internacionais sobre o tema no Brasil, Argentina e México. Sócio colaborador da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT).

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